domingo, 22 de março de 2009

Para o trabalho "Bolhas Urbanas", de Sônia Guggisberg, 2006. Disponível no site www.soniaguggisberg.com.br

Bolhas Urbanas
A cidade estende um olhar sobre seus bairros, avenidas e ruas. Percebe entre os vãos deixados pela já decantada invasão vertical, espaços que, por não terem sabido resguardar suas frágeis memórias, nos são devolvidos restaurados, ressurgindo como museus de si mesmo, museus necessários para preservar ou, quando não, reavivar passados quase perdidos.
Prosseguindo, a cidade percebe, agora com um olhar incisivo, outros espaços. Estes, espalhados sob telhas caídas, paredes trincadas, musgos e pisos apodrecidos, não conseguem mais, sequer, ouvir os ecos de suas memórias. São espaços esquecidos pelo tempo. Mas, parece ser fácil delegar apenas a ele, o tempo, essa ação corrosiva que destrói o curso dos homens e seus fazeres. Na verdade, as coisas não se dão bem assim porque aprendemos a ter consciência de que o responsável por tantos descasos não é outro senão o próprio homem. E não precisamos resgatar um passado distante para constatarmos tudo isso. Basta olharmos para o presente. Basta olharmos para São Paulo, cidade que nos oferece um sem número de exemplos de tal descaso. As culpas? São tantas. E elas envolvem embates das mais diversas ordens. Não raro, estão relacionados às heranças não consumadas; às dívidas intermináveis; ao jogo das indiferenças, e ao próprio esquecimento.
Entre nós, cidadãos, os movimentos dessas memórias preservadas, esquecidas e restituídas, podem ser encontrados, como objetos de debates, em vastas bibliografias; em iniciativas populares; interferências oficiais ou, também, em manifestações artísticas que, muitas vezes, por meio de suas metáforas, sabem sensibilizar e atingir seu alvo maior: os habitantes que assistem às inevitáveis transformações ocorridas em seu entorno.
Assim, foi por meio de uma apurada observação sobre essas partes deterioradas da cidade de São Paulo que Sônia Guggisberg concebeu a série de instalações denominada “Bolhas Urbanas”, obra composta por enormes e transparentes volumes plásticos, inflados e aquosos, a se esparramarem por entre ruínas, invadindo frestas, fendas, como elementos vivos, pulmões a respirar num ambiente onde a vida se extinguiu. Longe de pretender se limitar a um mero diálogo com o passado, tais bolhas, ao penetrarem nesses espaços, parecem nos atentar para a superficialidade e rapidez que pautam nossa contemporaneidade; atentar para as regras ora ditadas, que cegam nossos olhares para a história, para nossas memórias. Trata-se de uma reflexão sobre nossa atual condição humana: para onde devemos olhar? Para aquilo que fomos? Para aquilo que somos?
Não à toa, essas instalações de Sônia Guggisberg se apóiam na efemeridade, esta, em suas mais diversas possibilidades de compreensão. Da efemeridade de suas transitoriedades, por adequarem-se às geografias dos espaços que as comportam, à efemeridade do tempo que rapidamente se esvai. Não são, portanto, os espaços que se modificam para receber as “Bolhas Urbanas”. São elas que, orgânicas e amorfas, se modelam aos lugares procurados, se aderindo ao solo e às paredes, seja pelo ar, seja pelo peso causado por uma camada de água. Água que igualmente se esvai, respira, causando, nas bolhas, zonas internas ora embaçadas, ora plenas de gotículas que retornam, pouco a pouco, ao solo. Água que desenha novas, estranhas e surpreendentes geografias, como são aquelas enformadas em nossas mentes, como são aquelas presentes em nossas incontáveis lembranças.
Foi, então, em 2006, exatamente isso que pudemos encontrar na Vila Maria Zélia, localizada no bairro do Belenzinho, e no pavilhão anexo ao Arquivo da Cidade de São Paulo, no Parque da Luz. Nesses lugares, em meio a tantos desmontes, já respiraram as “Bolhas Urbanas” criadas por Sônia Guggisberg. Bolhas que deverão, ainda, aportar em outros solos.
Sobre essas próximas viagens e reflexões, somente o tempo dirá.

Carlos Camargo

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