domingo, 22 de março de 2009

Para o catálogo da exposição "Sobre Papéis", de Celso Orsini, Valu Oria Galeria de Arte, São Paulo, 2006

SOBRE PAPÉIS
Espalhadas pelas paredes do ateliê, as obras se mostram prontas para serem vistas, se não lidas. Ora suspensas, ora apoiadas sobre latas de tinta enfileiradas no chão, sob elas habitam silenciosos processos. Idéias inscritas em gestos, em ações pensadas e repensadas. Quietude. Aos poucos, dessas superfícies pintadas emergem textos e intertextos. A quietude, então, se desfaz. Diante das telas, o artista narra o seu fazer. Fala da água e de cores aguadas. Fluidas. Fala do verde e do azul; fala dos fundos que se ocultam e daqueles que se revelam; fala das camadas e mais camadas de cores. De outras cores. Decalcadas. Impressas. Fala de limites e recortes. Justifica. Orienta. Diz. Contradiz.
Em meio a visitas, conversas e cafés, a voz do artista aponta modos de ver e entender seus objetos de criação; em meio a porquês e descrições de processos, o artista explica. Mas vemos o feito, e não o fazer. Na liberdade das interpretações, pensamos existir nos decalques, nas impressões sobrepostas e nos desgastes produzidos pela água, uma declarada remissão às memórias. Sim, são memórias, confirma o artista, e memórias marcam histórias. Como são aquelas escondidas sob os gestos silenciosos, ou, como são essas narradas agora mesmo sobre o processo de criação, sobre os muitos papéis que delimitaram as impressões: folhas de jornal, papéis vazios, papéis de outras memórias.
Espalhados pelas paredes do ateliê, esses papéis nos olham e esperam respostas.
...
Do ateliê para a galeria, as superfícies pintadas foram transferidas do espaço de sua gênese para ganhar outros lugares e outras quietudes. Primeiramente erguidas num espaço e tempo determinados, elas se reerguem agora em espaços e tempos diversos: os dos homens que neste momento as observam (inclusive os do próprio homem que as fez). Um caminho natural. Novos tempos vão surgindo. Novas histórias e novas memórias. Impossível negar cada uma delas.
Por isso, e na verdade, as obras jamais se mostrarão prontas para serem vistas, se não lidas. Todas elas terminam por ser muito maiores do que aquilo que sabem sobre si mesmas. Antes, do que o próprio artista acredita saber.

Carlos Camargo

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